Há quem diga que felicidade é nosso estado natural, nossa rotina. Tudo fora desse eixo seria uma perturbação (interna ou externa) que nos levaria à euforia ou depressão.
Alguns dos ensinamentos na minha jornada yogi dialogam com esse conceito de felicidade, que carrego como guia para mim desde que li "Luz sobre os Yoga Sūtras de Patañjali", do mestre BKS Iyengar, há uns 10 anos.
Desde então, eu venho entendendo a importância da rotina como felicidade, quando já no segundo sutra, Patañjali me provocou a pensar que yoga é mais que corpo, é “chitta vritti nirodhah" ou seja, é controle (nirodhah) das perturbações da mente.
Aquelas perturbações biopsicossociais que nos empurram numa busca de respostas na euforia ou depressão, nos picos ou vales - achou que não ia falar de roteiro? -, que chamamos de vida.
Esse livro, essa minha jornada, encontra ecos em tudo que vivo e não seria diferente como contadora de histórias, pesquisadora de narrativas decoloniais e suas estruturas. Mas confesso que nunca havia encontrado confluência entre o que pratico como felicidade (e essa cosmologia que me alicerça) e as histórias que leio/vejo/escrevo.
Até assistir 'Dias Perfeitos" (roteiro de Win Wenders e Takuma Takasaki).
Explico.
Sempre me perguntei se seria possível narrar uma história sem que estruturalmente sigamos a lógica pico-vale, pergunta-resposta, euforia-depressão...
Essa fórmula, que modula emoções e gera engajamento, seria a única forma de contar uma história e exprimir sentimentos?
Existe uma forma de narrar sem que ao fim, seja impresso um pensamento unificante, moralizante, que tira o direito do espectador de postular suas próprias perguntas?
Podemos, enquanto contadores de história do audiovisual, mediar arte, cultura, sem tornar a audiência passiva?
E depois de responder 'sim' pra tudo, não estaríamos fazendo um filme, sei lá… chato?
Depois que vivi ao lado de Hirayama, personagem de Kōji Yakusho, por pouco mais de duas horas, fiquei com a sensação de caminhos abertos, sol no rosto e segurança da previsibilidade.
Não apenas porque o "Dias Perfeitos" tematiza sobre felicidade, completude, realização, perfeição - pois a associação seria óbvia -, mas porque estruturalmente o filme narra sem ansiedade, mas ainda nos permite o encantamento. Um encantamento tranquilo, como a nostalgia, mas sem apego, como uma passeio naquele lugarzinho que guardamos lá dentro, onde estamos à salvo, e - com yoga chitta vritti nirodhah - podemos voltar.
Win Wenders e aprendendo é real.
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