Quando a gente tá imersa (leia-se obsessiva) com alguma coisa, não tem jeito: a gente vê essa coisa em tudo! Essa coisa, no meu caso, é a escrita, aquele sonho que me bate diariamente, sem dó. E, como toda pessoa consciente (e um pouco autoindulgente), estou me descobrindo um tiquinho – bem pouquinho mesmo, quase nada – louca nesse processo. E aí vêm as obsessões: Nathan Fielder e Rosa Montero. Ou melhor: The Rehearsal (Nathan Fielder, HBO) e O perigo de estar lúcida (Rosa Montero, Todavia).
E o que eu faço de melhor, crio relações entre eles. Sim, coloco pra namorar, tal qual faria com minha barbies se tivesse dinheiro pra comprar. Vamos a elas…não às barbies, seus pervertidos… às relações.
Nathan Fielder tenta agarrar o caos da vida com as mãos nuas, assim como Montero reflete sobre o artista à beira do abismo, sempre à espreita, sempre desafiado por sua própria fragilidade. Ele, com seus ensaios meticulosamente construídos, parece tentar sufocar o acaso sob o peso da precisão, como se a realidade pudesse ser domesticada através de simulações obsessivamente calculadas. Mas a vida, em sua teimosia, irrompe por entre as frestas dessas encenações, expondo a inevitável derrota de quem busca controle absoluto.
Rosa Montero já nos advertia sobre o "eu que sabe tudo, mas não sente nada" – uma descrição que se encaixa quase cruelmente em Fielder. Ele, como que se afastando das próprias emoções, atua como o mestre de marionetes que nunca entra em cena. Como se a distância emocional fosse o escudo contra o trauma, Fielder se dissocia da realidade que ele mesmo cria, acreditando, talvez ingenuamente, que a preparação o blindará da dor real. Um paradoxo trágico emerge: quanto mais ele tenta controlar, mais ele escancara sua própria vulnerabilidade, expondo as rachaduras em sua fachada meticulosamente construída.
A crítica percebe, e com razão, que é justamente essa tentativa de controle que trai Fielder. Os ensaios falham, as simulações colapsam, e o caos da vida real espreita, pronto para se infiltrar. O que emerge é um retrato profundo, quase doloroso, de um homem que luta contra a desordem interna, espelhando, de forma não intencional, os conflitos dos criadores que Montero examina. A arte, afinal, não é um refúgio seguro. Ela expõe, abre feridas, e Fielder, ainda que relutante, é forçado a encarar suas próprias limitações.
Há algo de profundamente humano na maneira como The Rehearsal se desenrola, um paradoxo que Montero também aborda: a obra e a loucura se entrelaçam, uma não pode existir sem a outra. Fielder, como um artista atormentado, tenta moldar o mundo à sua vontade, mas acaba revelando mais do que gostaria – suas próprias falhas, seus medos mais íntimos. O controle, tão desejado, se transforma em descontrole, e a série transcende o mero ensaio cômico para se tornar uma exploração da psique humana, de suas tentativas vãs de domar o imprevisível.
E assim, como Sylvia Plath bem sabia, criar é também desistir de lutar contra o que não pode ser recuperado. Fielder tenta, repetidamente, proteger-se do imprevisível, mas a vida real, com toda sua crueza, insiste em penetrar suas simulações. O abismo entre controle e caos torna-se cada vez mais evidente, e, no final, ele é confrontado pela realidade inescapável de que a vida, com todo seu desgoverno, não pode ser contida.
Ao misturar drama e comédia, realidade e ficção, The Rehearsal explode as fronteiras do que entendemos como narrativa. Fielder, nesse jogo complexo de simulação e realismo, revela que a vida sempre escapa às tentativas de controle, que o humor pode brotar do absurdo, mas que a tragédia sempre espreita logo atrás. Rosa Montero nos lembra que o criador vive em constante luta com essas forças antagônicas, e Fielder, perdido entre seus ensaios, não é exceção. Ao final, ele nos deixa com a sensação de que, no confronto entre o caos e a ordem, é sempre o primeiro que prevalece.
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