(Sem esgotar o assunto e zero spoiler)
"I may destroy you" só é possível porque aos 32 anos, Michaela Coel está em pleno controle da sua capacidade criativa.
Showrunner, diretora, protagonista e roteirista da série que de maneira corajosa ficcionaliza a história do abuso sexual sofrido, Michaela Coel é seu próprio combustível.
Enquanto revela sua personagem, Arabella, Coel nos traz a tona sua própria vida: e ela tem MUITAS revelações.
O resultado dos 191 rascunhos da série que escreveu, estreou na HBO-BBC após recusa de acordo infame da Netflix pela obra, literalmente subjugando não apenas a multipremiada autora de "Chewing gun" como a própria potência da história. Será que a gente sente cheiro daquela coisa com R?
Ao longo dos episódios acompanhamos a narrativa que em seu arco lida com as consequências do estupro (que se apresenta em diferentes formas) enquanto desenha um ensaio sobre amizade, traumas e da arte como capacidade de reinvenção, ainda que isso não seja tão simples assim quanto parece.
A série abraça longas tangentes que nos permitem conhecer ainda mais dessa visão de mundo de Arabella/Coel, numa condução livre de julgamentos - artifícios muitas vezes forjados dramaturgicamente pelos autores das narrativas que tem a violência sexual como tema.
Coel exerce um controle cinético sobre as subjetividades de cada personagem e ninguém tá ali a toa.
E de maneira surpreendente, o tom nunca é monótono ou pasteurizado: "I May Destroy You" é um encontro, uma investigação, um diário não linear de viagem e muitas outras linguagens; um roteiro que se afasta do didatismo, que joga na nossa cara essas relações pós-liberação deformadas pela economia sexual, de maneira abrasivamente psicológica; e como toda boa arte ativa, porque soa, faz sentir e move.
No universo de Coel, como no nosso, experiências tão efêmeras quanto agradáveis estão por toda parte ameaçadas e sempre sujeitas a auditoria. E, no entanto, ansiamos por experiência-las . Sofremos. Daí, colocamos nosso trauma em uso e tal qual Arabella, escrevemos a porra do livro, da série, do filme… ok, acho que isso era recado pra mim.
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