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Foto do escritorMaíra Oliveira

Significados e símbolos 'ocultos' em Black is King

Atualizado: 3 de ago. de 2020

Um povo que não conhece sua história tende repetir a história contada para ninar os da casa grande.

Por isso volto aqui para aprofundar um pouco mais em alguns dos símbolos e significados que podem ter ficado perdido no filme Black is King - enquanto você pensava em como adaptar o look pro carnaval de 2021, sem nem saber se teremos um.

Beyoncé e sua equipe maravilhosa - Kwasi Fordjour, Joshua Kiss, Blitz Bazawule, Jenn Nkiru e Ibra Ake, para citar alguns - foram visionários ao tecer a estética através de conhecimento distintos em uma reimaginação envolvente da jornada de Simba e do próprio continente africano e sua relação com os negros em diáspora.

Aviso: Beyoncé defende o capitalismo como possibilidade de emancipação negra, o que não é segredo para ninguém. Esse filme (muito menos o capitalismo) não vai acabar com o racismo no mundo, gente! Vamos olhar pra isso como o que é: um filme. Um feito revolucionário sim, mas com as limitações de 85 minutos e escolhas autorais que não devem ser rebatidas. “Ah mas ela deveria…”, ela “não deveria” nada, gente, parem de dizer a pessoas negras o que fazer! Foca aqui ó...

O diretor criativo Joshua Kiss disse:

“Esta é a primeira vez que temos uma conversa global dentro da diáspora do que significa ser negro e o que significa ser africano, e acho que há muitas conversas diferenciadas e tópicos sobre isso. como isso se expressa, quem diz, quem é o dono dessa narrativa, como essa narrativa é realmente benéfica para as pessoas que são africanas continentais no terreno - e se espalham por toda a diáspora - há tantas camadas diferentes dela, " ele explica. "Como pessoa, sou capaz de amplificar o máximo possível, mas como começo a desenrolar as redes que foram tecidas em torno do que é a negritude, o que é ser africano, globalmente?"

Quer dizer não há uma resposta única, e não vai ser um filme que vai resolver tudo, ainda mais, dada a plataforma.

Com isso em mente, vamos ver alguns significados e símbolos ocultos vistos em algumas imagens, identificados após uma breve pesquisa:

Em "Already", com Shatta Wale e Major Lazer, é o interlúdio musical que se abre com a voz de Rafiki incentivando Simba a olhar para dentro e descobrir quem ele realmente é. Esse interior é revelado pelo homens azuis usando capacetes de concha de cowry em cascata em um baobá, árvore que simboliza as raízes ancestrais, um passado de apagamento, mas sobretudo a força da permanência. “Acessórios” que compõem os look contam por si histórias: os dentes decorados, reminiscente das placas labiais mais destacadas do povo Surma e Mursi do vale do rio Omo, na Etiópia. O gado, cabras, pele de gatídeos (que cobre ainda hoje sacerdotes de algumas correntes religiosas de matriz afro), ouro, anéis, durags são símbolos tradicionais e contemporâneos e moeda de status que transcendem a diáspora africana global.

As corridas de arrancada de Joanesburgo (observe os carros girando em círculos) dialogam com movimentos distintos de Afrobeats, combinação de música iorubá, jazz, highlife, funk e ritmos, fundido com percussão africana e estilos vocais, popularizado no mundo na década de 1970 que tem Fela Kuti como símbolo maior.

Beyoncé muda de “penteado” algumas vezes e cada um carrega consigo também uma história. Em “Already” vemos uma estilização do nó bantu. "Bantu" é um termo abrangente usado para descrever os 300 a 600 grupos étnicos da África Austral. "Abantu" é reconhecido como a palavra para “pessoas” na maioria dos idiomas, sendo o plural da palavra 'umuntu'. Ao contrário do que apropriadores culturais acreditam, os nós bantu não são apenas mini-coques, se originaram séculos atrás com os Zulu no sul da África, sendo forte símbolo das mulheres dessa comunidade. Embora muitos afro-americanos não saibam onde estão suas raízes na África, é um feito termos sido capazes de manter viva essa tradição ainda hoje. Vimos o estilo ressurgir nas últimas décadas em celebridades negras como Scary Spice, Lauryn Hill, Rihanna, Uzo Aduba e na minha amiga e artista Thais Ayomide (suas referências estão do seu lado).

Ainda em “Already” Bey usa um capacete de chifre entrelaçado com tranças, e quem é do axé reconhece o Oguê de Oyá, Oxossi e Obá, símbolo que tem finalidade específica de emanar a energia da fartura. Ainda em referencia a cosmogonia yorubá, Beyoncé veste amarelo durante grande parte do filme (como ela fez em Lemonade), aludindo à Oxum, lembrada também na letra de “MOOD 4 EVA”. Os momentos de Bey na frente do couro se inspiram nas mulheres Xhosa da África do Sul, novamente com os chifres e o cachimbo.

Os momentos de Shatta Wale a cavalo (um dos poucos "tronos" vistos no vídeo) apresentam um guarda-chuva escondido, dando um aceno à cultura Akan, com seus povos espalhados por Gana, Costa do Marfim, Benin e Togo.

Há uma infinidade de círculos neste vídeo, especialmente vistos com o Homem Azul (Papi Ojo) se conectando com uma mulher vestindo a tinta e o cabelo semelhantes às mulheres Himba da Namíbia e Angola. Esses círculos simbolizam o círculo da vida e a unidade - como vemos os homens negros vibrarem entre si, com Shatta Wale e Bey.

Você notará frames em câmera lenta de homens negros vestindo ternos azul cobalto pulando para cima e para baixo em uníssono - isso é uma reminiscência da dança adumu, também conhecida como salto guerreiro Maasai (povo nativo do sul do Quênia e norte da Tanzânia). A cor tem várias camadas de significado, embora isso varie por país. podendo simbolizar os tuaregues pelas roupas de cor índigo que tradicionalmente usam e que mancham muitas vezes a pele. Na cultura Afam, esse azul protege contra espíritos malignos e pode representar o próprio espírito. Há quem diga que no início azul do haint era usado pelos africanos escravizados como um truque para imitar o céu para enganar os fantasmas, mas quando eles foram trazidos para os EUA a cor ou melhor, o corante ganhou outro significado ao ser usada pelo colonizador. A cor era chamada de azul Haint, um vernáculo afro-americano que se refere a um hospedeiro ou, em Hoodoo, uma criatura parecida com uma bruxa que os assombra.

No filme o Homem Azul guia o menino pela vida - nós o vemos envelhecer, casar e unir-se a Deus: “Saudações aos sobreviventes do mundo. Os anciãos estão cansados. A Deus, pertencemos a Deus, retornamos”. Ele representa a diáspora tentando se reconectar com suas raízes de maneira semelhante - e guiando-as da mesma maneira.

Na representação da batalha entre Scar e Simba, “My Power”, Nala e as demais leoas apoiam o verdadeiro rei dando o tom: não é sobre eles, é tudo sobre poder feminino da criação. Vemos a força multigeracional com a aparição de Ernestine Shepherd, a fisiculturista competitiva mais velha do mundo, com seus 84 anos e ainda quebrando tudo, a matrigestão também é simbolizada pela bailarina grávida que dança com o mesmo fervor que as demais. E toda essa potência aparece ainda no símbolo em forma de flor no chão inspirado no adinkra ganês Bese Saka, que representa riqueza, poder, abundância, união e unidade.


O povo Dogon é mostrado, bem como referências astronômicas, como o garoto flutuando acima da Terra (imagem que abre esse texto) até que uma esfera de luz o acerte. “Os grandes reis estavam aqui muito antes de nós. Mestres antigos da tradição celestial ”, diz Beyoncé. Os Dogon são conhecidos por seu conhecimento dos astros, muito anterior a apropriação pelo ocidente na dita Ciência, com C maiúsculo. A roupa brilhante de Bey representa a estrela Sirius B identificada pelos Dogon séculos antes de os telescópios serem descobertos em 1862, quer dizer não é só um brilhinho superficial.

A história de Moisés é um fio através de Black is King que também não pode ser ignorado. Beyoncé está fazendo um ponto novamente sobre lembrar de onde você veio? A história de Moisés é um exemplo disso: afastado de seu povo judeu, ele assume as riquezas egípcias e fica abalado por saber sobre suas raízes, quando finalmente os abraça e liberta seu povo (as famosas pragas e a separação do Mar Vermelho). Beyoncé mostra a beleza do passado, tradições e raízes africanas em diferentes corrente religiosas - sugerindo que talvez devam ser aplaudidos e seja algo de que se orgulhar, sem julgamento. Como Mufasa diz a Simba: "Lembre-se de quem você é." Aqui cabe uma resolução a possível treta entre os Carters e Kanye West cuja faixa “Jesus is king” e sua aproximação com Trump, pareceria uma negação de sua origem em certa medida, que teria sido criticada pelos Carters. Papo longo.


"E se eu não consigo falar, não consigo pensar. E se eu não consigo me pensar, não posso ser eu mesma. Mas se eu não puder ser eu mesmo, nunca vou me conhecer. Então, tio Sam, me diga o seguinte: se eu nunca vou me conhecer, como você pode?”

Alô, família Schwartz, acho que já tinha resposta pra você aqui. Já tinha dito no outro texto, mas a bandeira americana, pintada de preto, vermelho e verde é uma referência direta ao pan-africanismo, que acompanha a narração que convoca a reflexão.

Como disse no outro texto, temos aí assunto, né? Nos reconhecer na arte é algo raro e caro, ainda que sejamos nós o berço de todas as expressões artísticas que consigo nomear.


Viu mais símbolos "escondidos" no filme? Comenta aqui e vamos engrossar o caldo da crítica e da mídia negra, e passar mais tempo nos ouvindo, de verdade.



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