"Torto Arado" (Todavia, 2019) de Itamar Vieira Junior nos trasporta às minucias da vida no sertão da Bahia no início dos anos de 1960, onde condições análogas à escravidão perduram a despeito do papel assinado por certa princesa (realidade não muito diferente dos dias de hoje em algumas regiões do Brasil), através da histórias das irmãs Bebiana e Belonísia, e sua família (conceito que aqui amplio numa perspectiva afroreferenciada).
Revezando entre o ponto de vista das duas irmãs - tal qual Alice Walker o fez em "A cor púrpura"-, Itamar nos apresenta duas possibilidade de existências: ao passo que Belonisia segue como trabalhadora rural, Bibiana se forma professora e ativista pela emancipação e direito à terra.
O que as 'separa', no que se refere às oportunidade, é o que nos reuni hoje: a língua.
Em um evento que abre o livro de maneira estarrecedora, Itamar constrói metaforicamente a impossibilidade de falar a que nós negros somos sujeitados em uma atualização das máscaras de tortura, como estopim para uma vida ainda mais violentada em sua plenitude.
Itamar dá uma resposta a Literatura eurocêntrica como o Realismo Mágico da América Latina de Cortazar, Gabriel Garcia Marques deu em outros tempos. Trazer à ficção a realidade é uma viagem sem volta e cara a escritores e leitores negros ávidos por se enxergar, como eu.