Desde que Afrodhit da Iza saiu, não tem um dia em que não escute pelo menos uma faixa. A obra da cria de Olaria, que alguns não acessam porque ficam vidrados no shape da moça, dialoga com umas paradas que tenho lido há um tempo sobre criação e pensamento negro, que é radical porque não aceita as doutrinas neocoloniais que muitas vezes a gente se aperta pra caber.
Trazendo referências que pegam na jugular dos suburbanos cariocas, passeando pela pedra do sal, roda de samba à lotérica, flertando com os bofe todo, cheinha de si, Iza tá realmente grandona.
Interessante pensar como em "mega da virada" a voz de Russo Passapusso que vem junto ao BaianaSystem, sendo a voz do anticapitalismo com faixas emblemáticas como "Lucro", une sua voz a Iza em uma ode à emancipação negra, justamente pelo enriquecimento. É um lembrete de que raça e classe se articulam junto a gênero para manter uma sociedade opressora e, mesmo que haja interseção nas lutas, as estratégias de superação são distintas. Como bem disse meu amigo, roteirista e escritor, Estêvão Ribeiro (@estevao.ribeiro), "felicidade também é um carrinho de compras cheio."
Falar de emancipação econômica da população negra sem falar da fézinha de fim de ano seria ignorar que a grande maioria de nós enriquecer é um tiro de sorte, algo que faz a gente acordar e levantar de manhã e renova as esperanças, mas jamais vai nos fazer deixar o trabalho de lado porque no fim, apesar das falácias dos coaches financeiros que nascem herdeiros e começam suas startups com dinheiro do pai, não tem nada nosso que não venha depois de muito trabalho.
E, para um povo que sempre trabalhou, nada mais justo que a recompensa; reparação histórica sim, mas a minha parte eu quero em dinheiro, por favor.
Sem deixar de alfinetar a apropriação cultural e a usurpação do talento por parte de agentes da indústria, Iza dá o nome e o sobrenome ao devolver o processinho com mais trabalho. Minha mãe sempre diz, toda vez que precisou se reinventar, que mais tem deus pra dar que o diabo pra carregar.
Agora, aquela faixa que me pega no grandão e não à toa ganhou prêmio essa semana, é "Fé nas malucas". As mulheres pretas correram pro feminismo branco engatinhar, né gente? Isso todo mundo sabe. E quando a gente pensa em tudo que leu sobre como maluca ser um pejorativo para junto a histeria categorizar mulheres e tirar dela o direito à fala, eis que das favelas surge o "fé nas maluca", do qual Iza e Mc Carol brincam nessa faixa. O "fé das maluca" da favela é pensamento radical e tecnologia escura, tal qual Satyia Hartman em obras como "Vidas rebeldes, belos experimentos: histórias íntimas de meninas negras desordeiras, mulheres encrenqueiras e queers radicais" (Ed. Fósforo) versa.
A coincidência ou não, o mais novo álbum da Iza dialoga com esse momento do qual também falam os recentes lançamentos de Miley Cyrus e Shakira, mas também com o debate levantado por outras mulheres de diversas áreas, que estão discando 180 com força no exposed de relacionamentos tóxicos. Ver mulheres vistas como símbolos de sucesso profissional sofrendo violências mil só reforça que sim, podemos ter tudo, mas infelizmente isso não nos blinda de sofrer aquilo que denunciamos em nosso discurso.
Fico especialmente envolvida como Iza provoca, não apenas nas palavras e símbolos visuais, mas também no uso da voz mais grave e a negação da performance feminina tal qual esperado para uma diva. Essa abordagem que usa todos pavimentos para fortalecer a arte expandida, é uma tendência no cenário musical - Beyoncé que o diga -, ao mesmo tempo que não é novidade: grandes intérpretes como Elza Soares exploravam a subversão, no que se refere a acolher as imperfeições e fragilidades da própria voz e reconhecer uma artista humana que encanta porque acolhe e não encerra.
Eu ia falar mais sobre os duetos com os bofes (o que é aquilo, senhor?! Água pura.) mas já hablei demais, eram só esses pensamentos aí, pensados desde que o álbum saiu e que hoje resolveram brotar.
Ahhh… Dona Iza, to doida pra ver esse showzão completo sem os perrengues do festival, porque sou uma senhorinha. Arranja data pra nós.
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